quarta-feira, 1 de setembro de 2010

QUEIJO MINAS ARTESANAL


No mês de Junho tive o prazer de viajar a Minas Gerais, foram vinte dias de intensas buscas e aprendizagem. Surpreendeu-me gratamente esta visita em diversos aspectos. A hospitalidade mineira foi uma de estas gratas surpresas, que onde eu passava era bem acolhido por todos, rodeado de uma natureza exuberante com animais silvestres, plantas e rios, cada fazenda que visitava me serviam uma taça de café e abriam um queijo novo para conversar e relaxar um pouco. A Serra da Canastra é um dos lugares mais bonitos que vi. Imponente, exuberante, verde, com o Lobo-Guará, Tucanos, Tamanduá-Bandeira, seriemas e muitos outros animais que completam este lugar com cachoeiras e a nascente do rio São Francisco, quem nunca foi deve ir e conhecer as maravilhas da serra da canastra. Outra surpresa foi a péssima infra-estrutura das estradas em Minas Gerais, mas infelizmente esta não é uma boa surpresa e atrasou muito as minhas viagens dentro de Minas Gerais, pareceu que Minas Gerais fosse um Estado pobre e sem recursos financeiros, com certeza, isso atrapalha a logística de qualquer produto que saia de estas terras, imagino em que condições deva viajar o café e a cana de açúcar, uma viagem do cerrado mineiro ao porto de santos deve demorar pelo menos um dia e isso é muito tempo. A infra-estrutura viária Minas Gerais têm que melhorar muito se pretende acompanhar o crescimento econômico da região.



Mas a grande e boa surpresa que tive chegou rápido, quando visitei a primeira fazenda produtora de queijo minas artesanal, nunca antes havia visitado umas instalações queijeiras no Brasil, na Europa tive o prazer de visitar muitas, porem no Brasil estas eram as primeiras e para a minha surpresa e muito grata surpresa, eram mais limpas e organizadas que as européias. A primeira fazenda visitada foi a fazenda do Seu Zé Mario em São Roque de Minas. Esta fazenda conta com 20 hectares e produz 10 queijos ao dia. Isso é artesanal, pensei. De acordo com as normas do IMA-MG as queijarias devem ter o quarto de elaboração do queijo, afastado do estábulo e da sala de ordenha, mantendo assim as moscas bem afastadas. O senhor Zé Mario, como muitos outros, construiu um quarto para fazer queijo nova e sinceramente, esta impecável, não me estranharia que viessem europeus a sua fazenda para estudar como se faz. Outra coisa importante que vi (ou não vi) é a ausência de maquinas, o queijo minas artesanal é feito totalmente manual, de todas as fazendas que vi somente uma tinha uma pequena maquina para quebrar a coalhada. ISSO SIM É ARTESANAL. Na fazenda do Seu Zé Mario existe uma integração com a natureza que raramente se encontra aqui se produz tudo o que se consome o único que não se pode produzir e que tem que ir até o mercado a comprar é o sal, de resto a fazenda produz tudo. Como resultado disso tudo é um queijo minas artesanal de meia cura perfeito, sem rachaduras, nem maus cheiros. Olhaduras regulares, bem prensado e equilibrado em sal. Um queijo minas artesanal campeão.





Saindo de São Roque de Minas o meu seguinte destino foi a cidade de Medeiros. Em Medeiros visitei o produtor local e proprietário da chácara Esperança, Luciano. Aqui na Chácara Esperança há uma evolução do queijo Minas em andamento, ao contrario da maioria dos produtores rurais de queijos minas artesanal, Luciano não vem de família produtora de queijo e é a primeira geração de produtores de queijo. Por não pertencer a nenhuma família produtora não esta vinculado a produção tradicional e o permite estar mais aberto que os demais produtores a fazer um queijo diferente. Luciano teve a oportunidade de ir a Itália e França e recebeu na sua chácara esperança a visitantes produtores de queijo da França e da Itália, este intercambio de informação o fez mais experimentado e deu novas idéias para a produção do seu queijo. A pele do queijo minas recebe um tratamento durante a maturação, é raspado até ficar com a pele lisa e polida, dando um aspecto mais “comercial”. Na Chácara Esperança este tratamento não é feito e isso confere ao queijo um aspecto mais rústico e incrementa no aroma um matiz com lembrança a fungos, mais úmida que os demais queijos minas. Luciano também faz o queijo canastra real e uma nova versão deste queijo batizado por ele de Canastra “baby” que pesa 3kg. O intercambio cultural vivido por Luciano e a sua família foi fundamental para dar este passo de gigante que é a evolução e sinceramente alguém tinha que fazer isso. Obviamente, sem esquecer-se dos que mantém a cultura original como o Seu Zé Mario e muitos outros.


Depois de Medeiros fui para Araxá, terra da famosa personagem nacional Dona Beja, aqui fui recebido como se estivesse em casa e cheguei com apenas um contato, do senhor Alexandre Honorato, e acabei conhecendo a produtores, fiscais, vendedores e acabei sendo convidado a participar do grupo de jurados do concurso do queijo minas artesanal da micro região de Araxá. Foi uma honra e um prazer ter participado deste concurso.


A minha primeira visita foi na fazenda Só Nata do Alexandre Honorato. Este é o maior produtor que visitei e se não me equivoco produzem aqui 30 queijos por dia. Também aqui na fazenda Só Nata foi onde vi por primeira vez uma maquina dentro da sala de fazer queijo, esta maquina consistia em quebrar (ou cortar) a coalhada antes de dessorar-la e moldar o queijo, era uma maquina muito simples e adaptada a sua produção, muito pequena e que com certeza não muda, nem interfere no gosto e textura, sem deixar de ser artesanal. No ano de 2009 o queijo aqui produzido ganhou o concurso Estadual de queijo minas artesanal e possui outros inúmeros prêmios, além de possuir prêmios relacionados à produção de queijo o Sr. Alexandre Honorato também tem prêmios de genética animal. O queijo de Araxá é um pouco mais fresco (menos maturado), tem menos olhaduras (buracos), menos salgado e mais suave que o queijo da Canastra.
Mas em Araxá também visitei o Sitio do Pica Pau, do Sr. Juliano Oliveira. Aqui a produção é bastante menor que na fazenda Só Nata, porem também de excelente qualidade, alias, o queijo meia cura do sitio do pica pau ganhou o primeiro premio do concurso do queijo minas artesanal de Araxá 2010. Aqui a produção é totalmente artesanal, produzida a mão sem a presença de maquinas, um quarto de fazer queijo novo e limpo. Aqui como em quase todas as fazendas o soro eliminado da produção de queijo serve para alimentar aos porcos, pássaros, cachorros, gatos e animais da fazenda. Aqui se faz um queijo um pouco mais parecido aos da canastra, mesmo sendo em Araxá o pingo do sitio do pica pau da estas diferentes características ao seu queijo.


Tenho que destacar também o memorial de Araxá onde fui muito bem atendido pelo Thiago e que me mostrou as peças antigas, que um dia foram utilizadas para a produção de queijo, além de ser um lugar muito especial para entender um pouco melhor a historia da cidade e da zona, aqui em Araxá também esta a casa que viveu Dona Beja. Araxá é uma cidade fantástica. Em Belo Horizonte, relacionado ao mundo dos queijos, vale a pena a visita ao museu de artes e oficio, onde há uma fantástica estrutura montada de uma queijaria antiga da região do Serro, além de ser uma emocionante viagem na historia dos ofícios do Brasil antigo.


Por ultimo, estive na Serra do Salitre. Aqui existe um movimento importante para a melhora do produto e do comercio (correto) dele, realizam experimentos com embalagem, utilizando diferentes tipos de cera e materiais para o embalado, também desfrutam de uma linda região montanhosa que dá umas características únicas ao queijo produzido aqui. Tive somente uma tarde para conhecer esta região, porém fui muito bem acompanhado pelo Sr. João José de Melo, proprietário da fazenda Catulés e segundo produtor do Estado de Minas Gerais registrado no IMA com o programa de melhoria do queijo minas artesanal. Foi muito instrutiva a conversa com o Sr. João José, tive a oportunidade de ver uma região mais abandonada que as demais que havia conhecido, embora os seus produtores rurais e associação lute e trabalhe muito pela melhora do queijo minas artesanal, aqui falta a definição de um nome próprio que ainda esta indefinido, alguns chamam Serra do Salitre, outros Alto Paranaíba e os mais comerciais de Cerrado, porém isso desconstrói a integridade de um nome como a Serra do Salitre que conta com umas características organolépticas únicas. O nome Cerrado é muito amplio e é o segundo maior bioma do Brasil, atrás somente da floresta amazônica e abrange os Estados de Goiás e Tocantins além de Minas Gerais. O único ponto positivo de usar este nome seria o comercial, que neste caso, o queijo levaria consigo o nome internacionalmente consagrado do café do Cerrado, porém este nome não condiz com a realidade, pois os queijos produzidos não apresentam características iguais. O Alto Paranaíba é uma região menor que o Cerrado porem ainda grande demais, sendo um nome muito amplo para uma uniformidade organoléptica. O queijo aqui é muito especial também e mais ainda se partilhado com alguém especial e com vistas à montanha.



Nesta viagem tive a oportunidade de conhecer a Minas Gerais mais a fundo, vi coisas boas relacionadas à produção de queijo, mas também vi muitas coisas ruins que também devem ser comentadas. A dificuldade em conseguir que as queijarias se registrem no IMA é um problema para a qualidade do produto, em uma das visitas que fiz, decidi ir a uma queijaria não registrada e vi o que não queria. Ali e a simples vista era perceptível que a queijaria precisava urgente uma reforma, ou melhor, de uma queijaria nova. Mas o pior ainda estava por vir, dentro da sala de produção havia um gato passeando e comendo o soro que caía das mesas de trabalho, na verdade isso é habitual em queijarias sem o registro no IMA. Em quase todas as queijarias de Minas Gerais existe a tradição de gerações na produção de queijo, porem não todas ou poucas tem o conhecimento da higiene no trabalho e isso muda quando recebem os cursos de formação do IMA e EMATER e percebem que é necessária a higiene na hora de produzir o queijo, além de ensinar este conhecimento o regulamento do IMA obrigado, se necessário, aos produtores reformarem ou fazerem um novo quarto de elaborar e maturar queijo. Com estes dois conhecimentos e somando a tradição existente, os produtores registrados estão fazendo um excelente trabalho e produzindo um queijo extraordinário, um queijo tão peculiar que motiva a visita de especialistas italianos e franceses. Todas estas melhorias não seriam possíveis se não fosse o trabalho conjunto com o IMA de cada região e o EMATER-MG que através do programa de melhoria do queijo minas artesanal tem feito um trabalho de melhora do produto, promoção e divulgação muito bonito e efetivo.


Mas infelizmente, não é por ter a queijaria regularizada que o produtor de queijo terá melhor vida, o trabalho realizado por um melhor queijo não melhora a qualidade de vida do produtor. Em uma visita que fiz, depois de experimentar o seu queijo e tomar um bom cafezinho vi que estava dentro do quarto de maturação uma pessoa que carregava o seu queijo numa caixa e levava a um furgão despreparado para o transporte de um produto delicado como o queijo, este figura os locais chamam de “queijeiro” que é o atravessador, é a pessoa encarregada de distribuir o queijo a outras localidades. Normalmente os queijeiros apertam muito os preços de compra ao produtor local e em minha opinião é o maior problema do queijo minas artesanal. Se são realmente profissionais deveriam estar registrados também no IMA como vendedores e deveriam também melhorar as condições de transporte do queijo, já que ter muito cuidado com a produção e não se preocupar com o transporte e armazenamento pode estragar o queijo. Mas o que eu queria dizer era que os queijeiros têm um papel fundamental nas fazendas produtoras, são eles que compram a maioria dos queijos produzidos e sem eles não existiria queijo minas artesanal nos mercados e isso da ao queijeiro muito poder psicológico e o produtor fica na mão dele, abaratando tanto os preços que o produtor tem que pagar para produzir. O produtor de esta fazenda me disse que vendia o queijo ao queijeiro a 6 reais, vamos fazer um calculo simples. Para cada queijo de um quilo é necessário em media 10 litros, o preço do leite naquele momento era de 0,80 centavos o litro. Se este produtor vende o queijo a 6 reais e o queijo custou 8 reais para ser produzido, isso significa que ele ta perdendo dinheiro e comprometendo o futuro da sua fazenda e da tradição da produção do queijo minas artesanal. Por isso, devemos além de comprar queijo minas artesanal, devemos entender que pagando um pouco mais pelo produto estamos fortalecendo a historia e tradição e protegendo o produtor. Muito importante também é exigir queijo provenientes de fazendas registradas no IMA de Minas Gerais, isso da a certeza de que o queijo é de qualidade.



Infelizmente não consegui visitar todas as micro regiões produtoras, em Minas Gerais existem seis micro regiões produtoras, Serra da Canastra, Serro, Araxá, Serra do Salitre (as vezes chamado erroneamente de Cerrado ou Alto Paranaíba), Sul de Minas e Campo das Vertentes.
Seria impossível realizar a minha viagem a Minas Gerais se não tivesse a ajuda de pessoas muito especiais e agradeço também ao apoio de todas as instituições que me acolheram e me ajudaram com informação e amizade além de ser muito agradecido por ter sido convidado a ser jurado do concurso de Araxá. Obrigado a todos.

Responsaveis técnicos de EMATER-MG (BH e Araxá) e IMA-Araxá

Marinalva Olívia Martins Soares

Juscelina Pereira Onisto

Albany Arcega

Silvia Passos

IMA-MG Araxá

Calimério Antônio Guimarães

Produtores:

Juliano De Oliveira – sitio do Pica Pau - Araxá

Alexandre Honorato – Fazenda Só Nata - Araxá

Seu Zé Mario – Fazenda do Seu Zé Mario – Canastra/Medeiros

João José de Melo – Fazenda Catulés – Serra do Salitre

Luciano Carvalho Machado – Chácara Esperança – Medeiros/Canastra

Associações:

Associação regional do queijo Araxá

Associação dos Produtores de Queijo de Medeiros (Aprocame)

Associação dos Produtores do Queijo Canastra (Aprocan).

Associação de Produtores de Queijo do Cerrado Rio Paranaíba (Apromar),

Cooperativa Agropecuária dos Produtores de Derivados de Leite do Alto Paranaíba (COOALPA)

Associação dos Produtores Artesanais de Queijo do Serro



Minas Gerais tem muito a oferecer, visite Minas Gerais e visite fazendas produtoras de queijo, proteja, preserve, conviva, converse com os locais e aproveite de tudo o que o queijo minas artesanal pode te oferecer, tenho certeza que vai ser delicioso.
Caso tenham curiosidade em conhecer mais sobre o queijo Minas podem mandar um e-mail para mim que respondo com o maior prazer.

http://www.clubedoqueijo.com.br/ (em construção)
http://www.queijoartesanal.com.br/
http://www.queijominasartesanal.com.br/
http://www.serradacanastra.com.br/sabermais/queijocanastra.html
http://www.serradacanastra.com.br/
http://www.emater.mg.gov.br/
http://www4.emater.mg.gov.br/ciagro/bin/prg/artesanal/prin.php
http://www.mercadocentral.com.br/index.php

Bom Apetite.

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