sexta-feira, 22 de março de 2013

Queijo de MG passa em 'teste de fogo'


Queijo de MG passa em 'teste de fogo'Indignado com a proibição de venda da iguaria feita com leite cru fora de Minas, chef submete produtos a exames



Publicação: 17/03/2013 00:12 Atualização: 17/03/2013 08:47

Pedro Rocha Franco

Bruno Cabral foi desafiado a fazer testes: 'Queijarias superiores às francesas e espanholas' (Arquivo Pessoal)
Bruno Cabral foi desafiado a fazer testes: "Queijarias superiores às francesas e espanholas"

Um chef de cozinha paulista pode ter contribuição decisiva para a ‘libertação’ de um dos produtos mais típicos mineiros. Enquanto produtores de queijo e políticos dialogam com o governo federal para alterar a legislação que proíbe a comercialização da iguaria feita com leite cru além das divisas mineiras, o chef Bruno Cabral decidiu ir a um laboratório com amostras de cinco queijos para verificar as condições sanitárias dos alimentos. O resultado é mais uma contribuição para desmistificar a suposta presença de impurezas: todos eles foram rigorosamente aprovados segundo as exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Responsável pelo site Mestre Queijeiro, que fornece queijo para restaurantes e lojas especializadas na capital paulista, Cabral foi provocado por um cliente a fazer análise laboratorial dos produtos para comprovar que todos estão livres de bactérias e coliformes fecais. Sem pestanejar, o chef concordou e levou amostras de cinco fornecedores para uma unidade de um laboratório especializado em São Paulo (Central de Diagnósticos Laboratoriais). Lá, foram feitos exames de controle higiênico-sanitário (RDC nº 12), seguindo as exigências da Anvisa para comercialização de alimentos. O teste faz a contagem de coliformes fecais e Staphylococcus e identifica a presença de salmonela.

Os resultados mostraram a presença entre três e 11 coliformes fecais por grama, enquanto o nível de tolerância é até 333 vezes maior (1 mil/grama); no caso de Staphylococcus, o volume em todos foi inferior a 100 por grama, enquanto o nível aceito é de 1 mil e, quanto às bactérias, o resultado apontou ausência de salmonela. “Para se ter uma gastroenterite é preciso que se tenha presença superior a 100 mil coliformes fecais por grama”, explica Eneo Alves da Silva Júnior, sócio-diretor do laboratório, ressaltando que o nível encontrado é insignificante e que os padrões brasileiros de controle sanitário são extremamente rigorosos.

Entre os escolhidos estão queijos de minas artesanal e coalho meia cura, em todos os casos feitos com leite cru, dos fabricantes João Melo (Serra do Salitre); Luciano Carvalho (Serra da Canastra); Alexandre Honorato (Araxá); Osvaldo Filho (queijo d’Alagoa) e Gerson Bezerra (queijo coalho, do Ceará). Por cada exame, o chef pagou R$ 54, mas o valor é inferior ao de laboratórios credenciados pelo Sistema de Inspeção Federal (SIF). O custo é até cinco vezes superior, o que aumenta de forma significativa o preço da produção, uma vez que, segundo a Instrução Normativa 57 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é obrigatório fazer exame em laboratório da Rede Brasileira do Leite para composição centesimal, contagem de células somáticas e contagem bacteriana, tendo que ser feitos exames para detecção de mastite clínica e subclínica periodicamente. Segundo produtores, esse é um dos pontos do regulamento que inviabilizaria a produção e comercialização fora de Minas.

PATRIMÔNIO CULTURAL Em 2010, o chef passou uma temporada na Europa dedicando-se à gastronomia. À época, visitou mais de uma dezena de queijarias e, ao retornar ao Brasil, percorreu mais de 6 mil quilômetros em busca de produtores qualificados para o fornecimento de queijos. “Pude ver de perto queijarias com condições de estrutura e higiene bem superiores às francesas e espanholas”, relata Cabral, que, desde então, empenha-se em colaborar para a esperada liberação do comércio do queijo entre estados no país. “É uma vergonha eu poder comprar cigarro e não ter autorização para comprar um queijo. É um patrimônio cultural brasileiro e só pode ser vendido em Minas”, crítica, lembrando que nos próximos meses novas amostras serão colhidas para análise.

Se a maioria pode se mostrar surpresa com os valores indicados nos exames, produtores dizem que os resultados eram mais do que esperados. É o caso do queijo produzido em Alagoa, na Serra da Mantiqueira, pelo produtor Osvaldo Filho. Ele diz que periodicamente o leite usado é analisado para verificação do pH e os funcionários usam roupas brancas dentro dos padrões exigidos. Por dia, são produzidas aproximadamente 220 peças, entre pequenas e grandes, que vão para a mesa 10 dias depois da maturação. “Sempre costumo falar que vendo o queijo que eu como. Não vou ser louco ao ponto de comer algo que não me faz bem. Não é queijaria fundo de quintal. É um laticínio”, afirma Filho. Mas ele acrescenta: não é todo mundo que segue os mesmos padrões.

Batalha por normas mais flexíveis

Nos bastidores, produtores e políticos mineiros e técnicos de órgãos federais debatem a revisão da Instrução Normativa 57, do Mapa. Desde o ano passado, são feitas negociações acerca de um novo regulamento. No dia 20, o diretor-geral do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), Altino Rodrigues, se reúne em Brasília com representantes do governo federal para sanar as últimas dúvidas e finalmente publicar a revisão da IN 57 até abril. Inclusive, os dois primeiros entrepostos para maturação do queijo estão prestes a ser inaugurados, em Rio Paranaíba (Alto Paranaíba) e Medeiros (Centro-Oeste).

Depois de anos de negociação, o governo federal publicou o regulamento em novembro de 2011. À primeira vista, a impressão era de que pelas regras novas seria possível para os produtores vender a iguaria além das divisas mineiras. Mas, depois de análise mais criteriosa, percebeu-se que a IN 57 impunha barreiras aos produtores. A série de regras tornava o queijo caro o bastante para impedir sua venda a preços normais.

De lá para cá, produtores mineiros tentam à exaustão mudar os rumos da história. Em novembro, foi feita uma reunião entre produtores e representantes do IMA e do Mapa. Segundo o diretor-geral do IMA, responsável por conduzir as conversas pelo lado mineiro, a publicação deve ser mais flexível. Ele afirma que uma das modificações está relacionada à obrigatoriedade de a propriedade rural ser certificada como livre de brucelose e tuberculose. Para obter tal certificação, é necessário que todos os animais sejam nascidos naquele local, ou seja, fica proibida a aquisição de bois e vacas de outras fazendas e ainda é feita uma série de exigências em relação ao manejo. Em compensação, será necessário manter os exames anuais de animais contaminados, com descarte obrigatório em caso de soropositivo. “Aguardamos a publicação de uma instrução mais flexível”, diz Altino Rodrigues. (PRF)

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